P- A associação denomina-se Memórias e Gentes. Pode nos falar um pouco sobre esse projecto, quando foi criado e com que objetivos?
R- Antes de lhe responder e para se perceber, tenho de falar de mim:
Sou um combatente da “Guerra Colonial” na década de 60, concretamente em 1966, 1967 e 1968, tendo cumprido o serviço militar obrigatório na antiga província ultramarina da Guiné-Bissau, hoje país independente.
Terminada a vida militar, volvidos 33 anos, voltei à Guiné por terra em 2001, para reviver os locais por onde andei e apagar um pouco do chamado “stress pós traumático”. Do que vi, no regresso, trouxe na minha mala a vontade de voltar para levar coisas àquela gente que pouco ou nada tem, e foi o que aconteceu no ano seguinte e, ininterruptamente, até agora.
Desde então, fui convidando os amigos e de ano para ano a caravana foi engrossando. Paralelamente, por mar, começamos a enviar um contentor com os mais diversos bens, distribuídos por nós nas aldeias do interior. Passado 6 anos, como o Grupo já tinha um capital de credibilidade e experiência, constituímo-nos em Associação, continuando como até aqui, a desenvolver acções de apoio humanitário, sem filiação partidária, sindical ou religiosa.
Face aos factos apontados, o nome escolhido “Memórias e Gentes” resulta da lembrança do passado (memórias) e, sensibilizados com o conhecimento das mais diversas carências, juntos, não nos poupamos a esforços em levar um pouco de esperança àquele povo que, mesmo sujeitos a uma situação de extrema pobreza, nos fascina com o seu calor humano, os laços culturais e a amizade que prevalece (gentes).
P- Quais as ações que já dinamizaram? Que feed back tem do trabalho realizado? A ajuda foi pontual ou continua a haver contribuições e intercâmbios?
R- Das acções desenvolvidas ao longo destes 9 anos com maior destaque, tem sido no apoio ao sistema educativo, pois a língua oficial é o português, de seguida o apetrechamento dos Centros de Saúde do interior com equipamento hospitalar e, por fim, roupa, calçado, alimentação duradoura para as Instituições credíveis e identificadas por nós. Do que levamos, fica de lado para distribuirmos pessoalmente, os brinquedos, algum material didáctico, as “bic´s” (que fazem a diferença) e os “chupa-chupas” para, em troca, receber sorrisos daquelas crianças das aldeias mais recônditas.
Do trabalho realizado, temos já o reconhecimento e registo como ONGD pelo Estado Português, tendo-se adquirido automaticamente a natureza de pessoa colectiva de UTILIDADE PÚBLICA.
Em termos de ajudas oficiais, temos submetido alguns projectos sérios e credíveis, mas em vão!
Somente a destacar um pequeno subsídio à expedição/2010 pela Câmara Municipal de Coimbra e a ajuda, com material didáctico, do ex-Governo Civil de Coimbra.
A destacar também, e isso sim, o papel preponderante que os cidadãos comuns e os responsáveis de algumas empresas desempenham, na dinâmica e motivação destas missões de ajuda humanitária.
De referir, ainda, que estas viagens são a expensas de cada expedicionário.
O José Moreira já estava doente, em tratamento oncológico, há 2 anos... Não sabemos se ainda participou da XIII Expedição Humanitária, que partiu de Coimbra em 3 de abril de 2014, com destino à Guiné-Bissau. Imagem:
página pessoal do José Moreira no Facebook.
P- Este ano está a apoiar uma creche em Varela, na Guiné-Bissau. Pode-nos falar um pouco porque surgiu essa iniciativa? Muitos nos perguntam porquê Guiné e não Portugal ou outro país qualquer?
R- Com as nossas incursões ao interior, durante todos estes anos, chegamos há 3 anos a Varela que fica a norte daquele país, muito perto da fronteira com o Senegal. Na altura, foi-nos transmitido o porquê da existência brutal de índice de mortalidade infantil, que passo a explicar: Varela fica junto ao mar, a actividade dos homens é a pesca artesanal, as mulheres, em terra, fazem grandes fogueiras para, em “panelões”, cozerem o peixe e posterior seca ao sol. Dito isto, tudo parece pacífico, mas não é! As mães, na referida labuta, trazem permanentemente consigo e às costas as crianças de tenra idade, inalando os fumos e ainda por cima debaixo de um sol tórrido.
Foi assim, que nos propusemos em apoiar uma Creche que, no primeiro ano, colocamos aquelas crianças à sombrinha, água engarrafada (de cá) e alimentação e vigiadas por duas senhoras. Nos anos subsequentes, tudo temos levado, desde pratos colheres, copos, mobiliário, caminhas, roupas, rolos de pano para fazerem batas, etc..
Entretanto, abrimos um furo com água potável, temos levado materiais para a construção da nova Creche, tubagem, material sanitário, lavatórios e acessórios, como rede de vedação, gerador e bomba submersível. Entretanto admitimos 3 formadoras para ensinarem as coisas mais básicas e ensinar-lhes a falar e a escrever o português. Esperemos que colhamos frutos brevemente!
Na próxima expedição, com saída de Coimbra a 23 de Fevereiro próximo [2011], vamos montar uma torre em ferro, para suportar os depósitos de água. Em relação ao potente gerador que já lá temos para a iluminação e tomadas, como para accionar a bomba de água, estamos a ponderar em vendê-lo e montar um painel “foto voltaico” (energia solar), dado que os custos de manutenção são muito mais reduzidos, só que, com esta alteração, necessitamos de mais 3.000 €, valor que ainda não realizamos.
Em relação ao porquê Guiné e não outros países, cumpre-nos informar que estamos a trabalhar em parceria com algumas Instituições da cidade de Coimbra e Lojas Sociais, nomeadamente, a de Taveiro. Pelo terramoto no Haiti enviamos 3 paletes de medicamentos e na mesma altura, outros tantos para Moçambique, em colaboração com a Associação Saúde em Português de Coimbra.
Portanto, como solidários que somos, estamos atentos, muito embora esta Associação esteja talhada a realizar expedições a África por terra. Aqui, queremos realçar a participação dos mais jovens, que trouxeram uma mais-valia, quer na dinâmica de recolha de bens, quer na participação activa das expedições, certamente devido à parte lúdica da viagem, nomeadamente, a travessia do deserto, conhecerem outras gentes, outras culturas, como a demonstração do seu espírito solidário, pois também se sentem incomodados nas diferenças de dois mundos que nos são tão próximos.
O Alfaiate de Jumbembem: na Expedição Coimbra-Bissau da MEG, um velho alfaiate disse-nos que precisava de uma máquina de costura para voltar a trabalhar, porque a sua Singer estava morta fazia já muitas chuvas. Há dias realizou-se o Convívio Anual da Companhia de Caçadores 1565 que esteve em Junbembem nos anos de 1966-1968. Dirigentes da MEG [Memórias e Gentes] mostraram fotografias do nosso encontro. E hoje cabe-nos falar de solidariedade e velhas amizades:
- O Alfaiate terá uma nova máquina de costura (nova e Singer!) oferecida pela D. Fernanda, esposa do ex-Furriel Leite (Porto);
- O Alfaiate terá agulhas e carrinhos de linhas (para mais dez anos) oferecidos pelo Polery, ele também ex-militar da CCaç. 1565 (Vizela);
- O dirigente da MEG e ex-furriel José Moreira está encarregado de entregar em mão ao Alfaiate de Jumbembem estes seus novos pertences. Obrigado!
P- O Projeto Bom Dia Bom Dia é uma ideia muito terna e parece nos muito fácil de concretizar. Tem tido uma boa aceitação? Como reagem os meninos apadrinhados ao saberem que alguém “muito longe” se preocupa com eles?
R- A sua pergunta é pertinente e muito actual! Aquando da nossa estada em Março passado, alguém se lembrou de tirarmos fotos à criançada e medir a altura, só não foram pesados por falta de balança. Daí a ideia do apadrinhamento e um meio de realizar fundos, ajudando-nos na alimentação e educação das cerca de 80 crianças. Devo dizer que tem sido um êxito, Temos já 54 crianças apadrinhadas que, entre madrinhas e padrinhos, estão envolvidas 71 pessoas de norte a sul de Portugal, da Áustria, da Suíça e de Inglaterra. Na próxima viagem, só dos padrinhos, vamos levar muito perto dos 2.000 € e lembranças para os afilhados. Isto é lindo, BEM-HAJAM a todos!
Muito embora as crianças já tenham conhecimento desta iniciativa, quando chegarmos, queremos vincar junto das mães, da responsável pela creche e das formadoras, que nós portugueses, somos efectivamente solidários e empenhados que sejam mais felizes e fundamentalmente de boa saúde.
P- O CAD Associação Coimbra Basquete fez uma campanha entre os seus atletas e amigos e angariou bastantes e diversificados bens. Como podem as pessoas assegurar se de que as suas ofertas irão chegar ao destino certo?
R- Antes de mais, queremos agradecer ao CAD Associação Coimbra Basquete pela campanha em curso. Dos bens angariados, só queremos saber qual o destino a dar-lhes na Guiné, se inteiramente para a Creche e(ou) para outras Instituições, e a “Memórias e Gentes” pessoa colectiva de direito privado sem fins lucrativos, já com um capital de credibilidade naquele país, garantirá a entrega dos bens no destino a indicar pelo CAD.
P- Congratulamo-nos pela sua dedicação e empenho numa causa tão nobre e com o dinamismo que lhe imprime. Agradecemos-lhe ter nos dado a possibilidade de alertar os nossos jovens/atletas para estes problemas sociais que farão parte da sua formação enquanto pessoa. Qual a mensagem que lhes quer deixar?
R- Que pratiquem o desporto com lealdade. Que na sua formação saibam distinguir o bem do mal. Que gostaria de os levar a conhecer o outro mundo. Que partilhassem com os meninos e meninas da mesma idade, com aquilo de que já não necessitam, pois seria um tónico milagroso contra a indiferença que parece estar a disseminar-se assustadoramente pelo mundo, e assim, nascerão novos sorrisos, novas esperanças para aqueles que pouco ou nada tem e o mundo ficará diferente…menos indiferente!
Um muito obrigada
Pelo CAD Coimbra Basquete
Margarida Teresa Figueiredo
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